quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Desvelar

Porque não há esperança maior que a de ter outra noite ao teu lado, gostaria que o tempo passasse, ao te encontrar, assim devagar, como é pra mim depois de você partir. E que meu tempo fosse remotamente semelhante àquele da presença, voador e transbordante. Ar e água. Ascendente, melodioso, penetrante, expansivo, crepitante. E que eu fosse remotamente tão sensata quanto você é, e com um pingo de razão pra me impedir de dizer estas coisas valentes. Valentes, como eu derramada de sorriso quando tem entre nós aquele quarteto de cordas: teus olhos, meus olhos; tua boca, minha paz, e uma dose sobeja de coisas lindas por dizer. E que eu não sonhasse com plantas de casa de madeira onde pôr você dentro, aconchegado numas almofadas, metido a ler. E eu sempre nua, metáfora desvelada, de passo leve, esgueirando pelo espaço, contando detalhes, absorvendo, como que para não esquecer, para não deixar o nosso canto, ecoando na minha lucidez. Porque meu amor permanece inalterado. Senão mais profundo. Mais inteiro, sazonado, mais certo. Se os sentidos faltam ao redor, permanece um ponto de gravidade. Porque eu quero te pedir pra sentar ao topo do mundo e me contar o que sente. Isso é o que eu sinto por ti. Que pena da minha juventude fora do tempo. Que pena da minha velhice inexigida. Medo de fechar os olhos e ver o que sou, sentada ao topo da promessa de ausência, que me ousa desmanchar, abrir caverna, cumprimentar trevas. Que pena dos meus votos. Como se não fosse serva do tempo. Como se tudo não fosse até amanhã. Como se eu fosse morrer sem antes ouvir de novo você dizer que me ama. Como se eu me mimasse inteira dessa luz incomparável. E quisesse mesmo morrer do coração, para não admitir que ele batesse menos do que agora. Menos do que contigo.