domingo, 31 de março de 2013

Segredo azul

Às vezes, quando eu falo  e, antes de ver, de puxar teus olhos aos meus ou carregá-los na vista, sinto o teu olhar , parece de repente que falar é ato estranho, todo exigente de atenção: e, no entanto, quero falar-te como das vontades primevas da minha natureza. Mas falo meio irregular, que são teus olhos no meio do caminho, tua boca abaixo, à espreita do que poderias falar-me, ao invés, ou em retorno. Então, sim: é que, talvez, se a boca não puder se ocupar da tua, que ela esteja em repouso, e eu seja ouvidos para te colher. Às vezes, quando os olhos meus assistem ao temperado da tua voz, aquela vaidade muito sutil dos teus gestos, aquele escuro dos teus olhos que às vezes incandesce, é que não sei habitar outra forma; estado de espírito: tu, contigo, tua. E, se falares de amargura, e eu-dos-olhos-fundos, eu-grave, eu-luz, eu-enamorada, quiser de repente te compensar, se eu pudesse assim cumprir todas as tuas horas, levar nas costas teus desgastes, levar-te para longe, fazer o tempo em ti correr suave à tua maneira, tua vida secreta, e eu aqui à antessala, das vezes que fiz entrar  como não ficar azul? Que eu nunca vi ninguém tão dono da própria cabeça, alguém que me fizesse pensar: quisera eu estar perto para ver  tudo. De repente, de tão admirada, atravesso também a paixão, para um estado tal de azul, azul, azul, tão grave, que o teu jeito de pensar se espalha sobre mim feito um molde, e eu me vejo inteira encaixada. Quisera eu ter assim metade dessa força que me beira só de te olhar, e quem sabe deste amor-meu para ti que tenho todo fortificado eu pudesse fazer-te envolto em contentamento. Aqui, ao teu redor, não sabes por quê, começo a gravitar. Que talvez eu te emprestasse um colo, e em retorno me emprestasses um pouco dessa força. Que eu não me assombrasse nunca com o antes e o depois. Que eu pudesse dizer: te quero assim inteiro, tudo que vejo e não vejo, que fiz de ti um motivo? Beija meus olhos, leva-me longe contigo. Tu, das maiores distâncias que já percorri, das maiores distâncias que, de tão próximas, mal posso enxergar.

sexta-feira, 15 de março de 2013

Vernal

Your body, a wavelength path to the light in your soul, though there is no boundary between the two. To travel along you, move through your body as though waters caress me head to toe. The heaviness of your body over is as though arms  armies of birds  enclose me in natural flight, wings that carry out a ring of fire, opening inch and inch of skin to a load which is only featheriness. When your body decides to undress me, it's as though all of a secret world's chanting wills to address me. When I mildly respond, caught in the startled newness of your every gesture, it will be either in the spiral of fearing love, or in the ever sweetness of my earnestness. Your body, tied to what is mine, leveled, unravelling, entering the thrill and tender of my soul, now free. No sharp wind or bleak dark could level with the subtly creeping warmth there is deep in your body, sooth bearer of my heart: to spring you into eyes, ears, mouth, full body, full length, full circle.

quinta-feira, 7 de março de 2013

Me dito

Existe essa forma imprestável de saudade que se chama nem ter o que te dizer. Se calha, nem memória me sobra: sou só resíduo, e no residual deste cultivo sei que só me serve calar. Vou ali para um canto, encolho, rezo um terço da onda perdida, rezo a ilha em que fui feita, desenhada, e esses contornos que não me saem da pele feito traço de areia, que os movimentos temporais não fazem apagar. E é antitético, porque o que fica me é tão ínfimo, tão minúcia, e eu pequena, sumidouro neste grave tempestivo que é deixar as ondas me levarem de ti, lavarem-me o teu, que o meu é meu, e eu continuo, tua, esgarço, regaço, baía de medos sutilmente calculados para precipitar, infalivelmente, a chuva dos meus olhos a cada reação. Que faca é esta que me tolhe a ponta, quente, ardendo por debaixo da pele, e eu me desfazendo pelas beiradas como se nem fosse sólida. Eu, raiz, indemovível? Espuma de nada se desoçobrando por uns cantos aí, que ninguém vê, de que nem vale a pena ouvir falar. Tendo visto, inteira, que as quedas d'água fragmentadas não me tiram nem me dão, fazem dança e cortejo, fazem dilúvio, fazem incêndio, e silenciam. Buraco de concha e os ouvidos retorcidos. Fica, que o anseio se imiscui na memória, feito onda. Ondulam em mim umas reticências, umas resiliências das mais ingratas; eu sempre pronta a deixar, porque sei que hei de carregar comigo. Ondula dentro de mim cada despedida como se não fora eu a ir comigo, mas o contrário: adeus a mim, agora parto a carregar o ido. Ser, para dar. Me gasto, e vejo que: me tiram tudo, não fico nada, calam-me, que arte de ser muda por ser inteira a percuciência dos sons, eu que feita de palavras só faço impressões varridas de areia pelos mares da minha meditação. Vazios plenos que me saem pelos olhos ao saber do iluminado: que não basto, a minha claridade me condena, antecipa, torce o fluxo d'água. Para alcançar um estado tal de plenitude que se satisfaça em mim. Retiro-me de tudo a ver que nada há que me contenha. Que raio de sol dos mais solitários. Que água nos olhos, na garganta, por toda parte a que eu me torne: são mundos inteiros da fluidez que, no entanto, não me é. Que forma imprestável de amar. Não eu, mas se as ondas dizem: é porque te amo.