quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Crônica de veraneio

Sessenta dúzias de quartetos de tempos, e ainda era amor. Ou já era amor? Antes de ser. Ou nem mesmo amava. Porque era o próprio amor, então fluía através dele, já incorpórea, porque verbalizada nele. Então existia agora em essência e não se bastava em palavra alguma. Nem mesmo amor. Quatro quartetos de tempos, e eu quero gritar que já não posso andar só. Já não posso andar só pelos caminhos. O amor é uma companhia. E os amores que morrem têm sentido de ser pelos que nascem. E eu não poderia ver o sentido com olhos duros: sou embaçada e canto lágrima, vejo com olhos suaves, de algodão, de seda, deslizando, de pétala de rosa, de seio de mulher. A silhueta do amor transportável. E, se eu transportei, é porque também transportaram. A leveza e o peso. Que faca retorcida dentro de mim. Que morte, saber-me cadáver dentro de alguém. Que morte, sabê-lo nascituro em mim. Que vida, que vida, que vida nova. Como vivi em dois, três, quatro, cinco tempos. Como fui feliz. Meia dúzia de tempos, e sessenta dúzias de quartetos de tempos comprimem meus olhos. Toda uma vida enterrada num peito que foi meu: quarteto de cordas. Um ciclo se rompe para que nasça um outro. E o outro é lívido e todo novo para mim, e por novo quero dizer também que me renova, reascende, revive, resplandece, revela, restitui, regala, refarta, repara, noviciadamente... Eu nunca fui tão olhar: estou vendo bem tudo com uma clareza que quase me anula como pessoa. Lucidez? Me equilibro na entrega. Mas sinto que me aproximo de me ser, entre o claro e o escuro dos ecos do tempo. Tenho vontade de conversar com alguém. Mas esse alguém não me ouviria. Eu não quereria nada, senão ouvidos. Não ser nunca um som pretérito de oco. Pois a mim falta apenas livrar-me desse ímpeto: o de ser tão presente. Quisera ser atemporal; ver nisso o sentido do silêncio. Sessenta dúzias de quartetos de tempos, e aquele homem teve de matar a mulher para não ver nela a sua vida a matá-lo. Eu entendi, porque fui morta. Eu entendi, porque hoje matei. Matei, como uma mãe mata para proteger um filho. E entendi que sou materna. Por isso, prefiro a minha morte a ver morrer os frutos do meu amor. Quando for tempo, novamente, abrirei em mim mesma a ferida. Para a vida. E recomeçarei, do sangue; o mesmo sangue das eras e do agora, com seu poder de morte e amor. E entendi que sou a fonte da vida. Se sou mulher, é para ter no ventre a faca. E entendi que a sabedoria do tempo é também sua ferrugem. Não sei que água, só sei a sede. A morte é também uma companhia. Janeiro, não me acabe. Quero aninhar-me na mornidão e na umidade das palavras que tive a graça de sentir. Me mataria em março, me mataria em março, só para que não deixasse de amar. Embora eu saiba bem: quem ama já aceitou a morte. Se março, junho?

A leveza e o peso

Não se brinca com as metáforas. O amor pode nascer de uma simples metáfora. / O primeiro pensamento dela foi: ele voltara por sua causa. Por sua causa, havia mudado de destino. Agora, não era mais ele o responsável por ela; de agora em diante, ela era responsável por ele. Aquela responsabilidade lhe parecia acima de suas forças. (...) Não, não era superstição, era o senso de beleza, que de repente a libertava da angústia e a enchia de um desejo renovado de viver. Mais uma vez, os pássaros dos acasos haviam pousado nos seus ombros. Tinha lágrimas nos olhos e estava infinitamente feliz por ouvi-lo respirar ao seu lado. / Já a havia encontrado desvendada. Fizera amor com ela sem ter tido tempo para apanhar o bisturi imaginário com que abria o corpo prostrado do mundo. (...) A história de amor começara depois: ela tivera febre e ele não pudera levá-la de volta como fazia com as outras mulheres. Ajoelhado à sua cabeceira, ocorrera-lhe a idéia de que ela lhe fora enviada numa cesta pelo rio. Já disse que as metáforas são perigosas. O amor começa por uma metáfora. Ou melhor: o amor começa no instante em que uma mulher se inscreve com uma palavra em nossa memória poética. / O tempo humano não gira em círculos, mas avança em linha reta. É por isso que o homem não pode ser feliz, porque a felicidade é o desejo de repetição.

Milan Kundera

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Júbilo, memória, noviciado da paixão

Releitura de Hilda Hilst

Talvez até o queira mais quando inexiste. Porque às vezes até o seu beijo tem um gosto de água. E, quando chove, e há silêncio, no meu peito feito heras em muro crescem palavras, toques ainda por vir, que só me vêm à flor da pele porque um dia vieram outros de mesma ordem. Ele (h)ouve. Só porque ele ainda pode ser, como que não me retiro do desejo. Se me entranhar feito sede, feito água corrente, já saberei que é a ausência. Teço maneiras de vivê-lo, delineadas pelo já dito, ou fomes que se deixaram cair pelo caminho. Porque ele me tocou, existe febre na memória. Quando me dá vontade de derramar, eu torço os olhos, sacudo-me, viro três vezes, emudeço, e tomo outro rumo, sabendo que comecei a esquecê-lo no instante em que se pôs porta afora. Começo a esquecer o aroma da presença, o calor calculado, a vibração cronometrada, um algo de meticuloso tão desconcentrado que emana dos olhos. Começo a esquecer, porque esquecer é já dar conta da sua falta, é já saber que os detalhes seguem opacos na minha sede, que é evidente a fartura, mas tanta fartura de sentimento, que eu preciso dizer: comecei a perdê-lo no instante em que se pôs porta afora. Comecei a perder-me no instante em que uma última vez repousei nele o olhar, enamorada, e deixei-lhe a vida que não me cabe. Parto à vida de terra, e sou inteira pessoa, devorada, submersa, ansiante, mas algo de recolhida. Assusto-me, porque o que sinto é inesgotável. Quando o vir, e o hei de ver porque assim fora, já não saberei o que quisera dizer-lhe. Como fico em paz ao vê-lo, porque ao menos, ao vê-lo, não o penso. Embora siga suspeitando-o, enigma eterno que ele é. E me é dado vivê-lo. Ao menos, ao dizer-lhe meus silêncios, palavras pela metade, corpo que se derrama todo como se o infinito tomasse conta do tempo, perco a inquietude de ter de esquecê-lo. Esquecê-lo, para não ser a todo o tempo a mulher que esteve nele. Esquecê-lo, para não ser ainda mais amante em sua ausência. Esgotá-lo, porque esquecida de amor. Ariana sem Dionísio. Conhecida do tempo, das realidades, das condições, do tremor pluviométrico, das peles transacionadas, ah, se eu pudesse ser indiferente. A paz dos desmemoriados? Então, não estaria assim, tão imperdoavelmente conquistada. Mas talvez eu nem quisesse o contrário. Porque tenho então a paz dos devorados... Talvez o coração na boca seja a condição necessária para que, em suas mãos, o meu coração viva.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Do mimetismo

A ansiedade é a vertigem da liberdade.

A verdade é que estou mansa feito sonolência, mas o peito vibra e quase estala de arritmia. Deve ser mesmo coisa de ritmo: compasso dos dias que prometiam alguma coisa, compasso das noites que me deram mais do que eu sequer ousasse aceitar. Que ainda sou nervo à tua chegada, aguardada. Enquanto é assim, eternamente, não vejo, como só vejo, um porto seguro. O amor que eu cria não saber como volver a mim. E eu descobri que também foste ilha. Talvez ainda mais ilha do que eu, e eu, água. Como tu. Em nosso limiar, partes limítrofes, mistura, os corpos se interceptam, interseccionam. E eu me faço feito argila, eu de terra que venho sentindo bater as ondas, dissolvendo-me, purificando-me, moldando-me à forma do mar: sim, forma infinda indefinida, e por isso mesmo a forma certa e liberta do que eu queria ser. Tu, circunvolvido de mim, cerca-me a ponto de beira, a contentar-me, sem fronteiras, e por isso o vão espaço de ondas sem paredes, sem teto, sem chão, que é o espaço de ti dentro de mim. E por que me sinto, nesta descobertura de corpo de rio lavando-me a alma, a superfície de todas as coisas intocadas, agora resplandecidas, suave som de água corrente, que me conduz sutil como se eu nem lutasse? Porque não luto. Estou a favor da correnteza. Quero que me espalhe. Cerco-te sem te transportar de ti, eterna. Sobretudo quero que me transportes. E que eu possa responder ao teu chamado em voz doce, sem estremecer pela imensidade de ser um horizonte em ti. Havia que ser assim, compassado, a fazer-me voz quente e baixa, aos tortos por toda a visibilidade que me dás. Como se eu estivesse inteira contornada dos teus ouvidos e da tua voz que me define e me ilumina o espaço a convidar que eu o percorra, resistente, translúcida, mas tudo tão percorrível e irresistível. Que seria loucura maior se eu não ficasse mansa, estirada, corpo de argila a se inclinar às inconstâncias do teu. Que eu me assemelho, aqui e ali, faço-me par ao teu lado, da mesma língua, naturalizada, como se me quisesse constar no teu campo semântico. Só porque te ouço e sinto vibrar dentro do meu. Só porque eu não vou perder o jeito, prometo; nem que eu invente palavras novas, vou ter sempre-por-enquanto um jeito novo de dizer-te, de viver-te, de sair de mim inteira para percorrer-me toda só porque a tua vastidão já me transborda de mim. Prometo: enquanto eu for tua, serei renovadamente tua, doidamente tua, incontentável e despalavradamente minha, na medida de todos os inumeráveis respeitos que me paralelizam a ti, e o meu eu que cresce e se invade será sempre o gasto eterno que me faz a cada vez tão maior, tão mais inteira, tão mais forte a cada gesto, que o nervo aqui é ousadia, este afã calmo, fulminante placidez, que se enraíza em mim até às funduras. As asas, sim, se concretizam, porque és o pássaro-palavra. E os solilóquios já estão eternizados. Os diálogos se tecem, e eu-presa sou eu-liberta. Denso desejo que me cobiça como se fosse matar, de tanto fazer-me vida desdobrada, estendida, dádiva e delicadeza. Estou ao lado teu, e por isso é o meu lado e já não poderia estar contra mim. Tua nudez: minha terra, minha simetria.

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Roteiro do silêncio

Aquele triste mundo de certezas. Sou: juventude, oriente, vontade de não matar, vontade de nascer, construir pontes entre os outros, atravessá-las, desvendar funduras, aprumar a vista repousada num alto de céu, até esgotar-me, e não esgotar-me, refazer-me, papel-palavra, água fresca, suspiros noturnos, voz no pescoço, cheiro de amor morno, ruas vazias, casas cheias, lava-e-pó, transparência, doçura, consciência, doação, atemporal, terra. Eu tenho um corpo perfeito e às vezes me esqueço. Eu tenho uma vida nas mãos e às vezes me farto. Eu tenho é um coração partido e repartido. Nenhuma parte está comigo. Mas eu sinto em mim o compasso pulsante do mundo, jorrando vida, latejante. Também porque o coração, por enquanto, tem seu teto. Chorará alguém por mim, como já chorei?Alguém chorará como as outras partes desalojadas choraram, como eu chorei eternamente pelo meu eu perdido no caminho, que não volta, não se acha inteiro jamais. E meu coração fatal. Porque o que divide é o que cria: como ser pessoa além do que me cabe? Sem o corte, já não poderia haver o pulso. É preciso dizer: amor da minha vida, eu morro. Se parte de mim habita outro alguém, não é menos certo que parte de alguém segue sendo o que me parte em três, em vinte, em mil, fragmentária, heróica, corpo de luz, corpo de terra. É sempre a terra. A certeza: existe luminância para aquém e além do coração perdido, o coração rendido, que nem estivesse disponível, um sol maior que me habita, casa de corpo, morada da minha voz de repente tão certa. Ainda que eu me esqueça, a cada lua. E que eu me encontre no horizonte sem teto, sem chão. E existe percuciência. Eu reverbero, então existo. E latejo: recomeço, recomeço... Aquele mundo contente de incertezas. A certeza: é sempre tempo de parar as confidências. Não há nada que eu aceite não poder consertar. Ai de ti, a de sonhos exaltados!

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Trégua

Vou aqui pretender que peço auxílio, porque sei que não terá efeito algum esta epístola, não a mim, não à mulher que há em mim, não ao destino de a quem peço ouvidos, olhos, mãos que afaguem. Verdade é que me rompe em faces seccionadas transversais uma dúzia de ultimatos. Escorro para dentro da solidão e sei como nunca que o caminho não virá de parte alguma fora de mim. Procuro um cão cuja cabeça tocar na madrugada, e as asperezas mornas de me ser inteira e só e pretérita e futura me tomam no presente como se eu nem mesmo vivesse, só estivesse presa eternamente no livro da minha vida. Quero, mais que nunca, que o mundo me respire como deve ser, e que a cabeça esteja nas coisas como estas se fincam na cabeça. Estou deslivrada e não reconheço o meu caminho. Vagueio pelo espaço cerceado do teu andar de outra via. E o meu lado é vazio de ti como o tempo. Meu passo rompe e divide o cerco pelos pensamentos. Palavra vira corda frouxa lentamente estreitando a minha fala na garganta. Falar é a forma de me tornar desconhecida. Querer é minha forma de me tornar desentendida. Não é querer, mas ser querido, o que faz ver o contorno de pessoa. Então estou existindo. Porque me poderias tocar, então me vejo, mas é visão de forca. Lonjura percorrível: desafia-me a atravessar. Mas o verbo me aparta. O verbo até a mim mesma me trai e faz descrédito. Vira metalinguagem a usufruto de nada. Tenho por mim que a mente faz a onda porque se desencontra do corpo. Corpo contido enjaulado. E a existência relacional. Temer o não sentir o coração nas coisas. O coração existe? Tens um também? De pedra, de manteiga, ou deslivrado? Estou deslivrada, mas sei que aprendi a ruminar as coisas, os espíritos, as mágoas e os afetos. Aprende-se a compassar, a confluir com o ritmo de si. Contenções. Aprendi a ter a densidade do mundo circulando no sangue. Plenitude sem fulminação. E corpo de terra. O dia chegará, o do fim das palavras. Fim, fim, fim: recomeço. Ah, que medo de só falar. Volta pra mim, devora o corpo que há em minha fala viciada. Renova-me pela tua antiguidade que risca, risca, risca a minha sempre nova e irreconhecível voz. Aqui já seca o verborrágico do meu vazio-pleno. Então, até logo: nunca sei dizer adeus.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Colisão frontal

Aquele dia, senti o constrangimento de deixar estampar na minha boca velada o quanto te precisava. Eu te precisava porque traçava no quadro da minha alma teus detalhes precisamente, tuas curvas, teus mistérios. Eu te precisava porque teus contornos vão assim bem com os meus, e eu estava incompleta da ausência tua que me expande a vida. Tão pacificada se te permites contornar-me. Tu e eu, limite mínimo? Eu te precisava porque os movimentos antes me desavisavam, não fluíam, e na tua precisão agora eu sabia que era degelo prendendo as águas. Eu te precisava porque minha profusão é indefinição transbordante e fronteiriça. Eu te sou pela metade porque em mim o tempo preencheu-se da tua vida enquanto o meu espaço permanece chuviscado de morte mínima, diária, trama distante rente à pele. Ser pessoa me devora a natureza. De terra, sou lamaçal dividido. Mas, se há lama, há também raízes que se aprumam do turvo ao límpido jazente em superfície. Círculos concêntricos se afastam infinitamente multiplicados pela água do teu corpo estirado. Sou losango achatado de um quadrante que se busca curvar e entortar e dobrar até circular-se, eu evidenciada na forma desejável do teu desenho, meu desígnio. Tua circularidade magistral. Aquele dia, soube que estava eterna de amor porque construí num segundo de vida a fresta para a tua eternidade, costurando a tua veia no meu seio. Eu precisava fazê-lo, porque fui confrontada com a espécie mais aguda e infame, porque rara e gloriosa, de enternecimento. Que o meu enternecer se imiscua no te eternizar, e nessa fresta eu goze da altura maior que é saber-me no topo de um vivo e estranho mundo, secreto, inaudível, vivente todo no espaço do teu peito contra o meu. E que eu nunca dê as costas, senão para moldar-me no contínuo do teu corpo de calma precisa, que até a tua urgência é de um elegante que só não diria contido porque em plena maestria-espontaneidade, austera permanência da tua sombra vibrante aos galhos tortos da minha vida sob o céu, raízes contra a água, com o tempo dissolvendo-se à maneira de integrar-se ao ambiente. Como se a mim fosse eternamente nova a tua graça de fazer-me pensar-te tão antigo, hábil e firmado nessa arte de te ser, à revelia do amor, e sobretudo nele. Aquele dia, o constrangimento era epidérmico feito sonoridade de chuva porque tanto o é o anseio por ti em minha vida imprecisa.

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Um conselho

Tu, que enches a boca para falar de vôo e liberdade, deve saber engolir comedimento. Lembrar de ser também a terra que é teu destino desde sempre redescoberto, desde sempre queda, mergulho às funduras. O mundo insondável não é palco para as tuas descobertas. O espaço há que conquistá-lo a dura pena, interface sacrificante inscrita na tua história, doçura de ingenuidade. 
Mas te digo que há o medo de uma prisão maior: o constrangimento de enclausurar-te em via única sem possibilidades, porque nenhuma via te parecesse suficientemente tua ou acolhedora. E se for tal a possibilidade da tua vida? Teu caminho certo? Tu, que não ousarias falar em certos e errados, absolutos, porque és inteira medo de ser erro, e te sentes uma jovem condenada. Tu, que nunca foste adequada?
Espelha no caminho teu o medo de que a desaflição seja fruto de controle: o ser bebe júbilo de ver que age sobre as coisas, não as coisas sobre ele. E a desaflição que se associe a um espírito de calma não pode ser plena calmaria, há que se sustentar tenuemente entre o caos e a paixão, teus combustíveis. Pois há também o entorpecimento, as distrações, o cúmulo de leve que te sustente por um fio em equilíbrio, tudo que preteriste. E do outro lado o contentamento incandescente que escolheste e que por natureza vibra efêmero e arrebatante, impulso que derrube e faça vôo de absorção. Amar é cair-e-levantar com a naturalidade de animal que respira. És livre apenas na medida em que te abrem uma fresta para a liberdade-em-ti que te une aos âmagos dos outros. Pois o mundo não sozinho abrirá a fresta para tua vida nele.
Entre os extremos, tu, criatura equilibrada. Sê sonhadora enquanto pensas que o podes. Criatura apaixonada, que não se encontra senão na entrega para fora da via expressa de si, tu que sentes desde sempre ter feito parte de um além, e busca a união com outras partes deslocadas. Porque te pensas estreita, se apartada, e teu cântico de êxtase na entrega te pareça tão maior e conduzível. Tua mobilidade é de fincar raiz. Teu sonho é planície pelos olhos de outro.
Levantaste, areia de lucidez nervosa no ar, coração palpitante, dedos rabiscando versos nominais porque te basta já a hemorragia, ânsia de esparramar-te de dentro para fora, pela violência do que te entra, e bem o pedes, levantaste, e o som do nada era o ensejo de ensurdecer em pensamento disforme. Levantaste muda porque carregas o medo e a iminência de ser outro, que não te basta dizer-te, e mais ainda, um de quem ouvir outro canto, que por definição seria teu.
A fixidez do tempo, que representa o volúvel dos seres, anula-te e te é, constrói-te ferindo-te.
Levantaste, foste à busca dos filhos que não tiveste, da família que não te acolhe, do outro que já não te vê, do ser que te pressente, da revelação que não terás, do interstício de todas as coisas que fazem marca com o que morreu e morrerá, tu, ser perecível a todos os sentimentos. Os sentimentos te vêm, e bem te vêem, gastam-te, criam em ti um ninho, fazem luz e brio, a desaflição aflita, a paixão que imprime nítida a adivinhação de ser pessoa, cultivam-te, e com a incautela em que te vieram se fazem supostos, despedidos, abstinentes.
Criatura servente, és amor inútil em cada gesto, cordura, cara a tapa, boca cheia e intermitente, fervura tremente, de um sangue de mornos tempos passados, de um sangue de ordinários tempos resfriados, endurecidos, que em nada te afetaram de mansa, criatura suave. Criatura mansa, faze cálculo, racionaliza, abomina-te, desconfia de ti, sê leal a nada, e te prepara às intempéries. Tua paz é chama fraca, embora te alimente toda.
E, principalmente, não ouve daqui o conselho. Sê tu, o bravo risco e a volição intuitiva em potência máxima.
Levantaste, e é tua a mão que te colhe.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Um lembrete

Que eu viva, não só pelo temor do que não for vida, mas pela graça de viver. Que eu viva pura e longamente, à revelia das validades e expirações, que eu mude, que eu perca tudo pelo caminho como vem sendo. Mas que eu não me traia. Simplória nas palavras, sou ainda fiel a mim. Que o tempo e as dores do mundo não me constranjam a perder fé e fidelidade. Vejo o caminho à frente estreitar-se tênue sobre as minhas costas, e o peso das escolhas impelir-me sempre mais a uma leveza, ao lado oposto, à distância, às incertezas e inconstâncias. O incerto me consome de desejo, porque me parece conduzir à lonjura do que me fere com perpetuidade de tijolo. Afastar-me da estagnação morosa, que me vem com aroma de ceder, de resignação, a um destino menos turbulento, menos duvidoso. A minha séria juventude, porém, é precisamente o que não me permite fechar as mãos. Parece que preciso sentir despejar as certezas, deixar-me escorrer com os impulsos, deixar-me fluir em quaisquer sonhos, calidez receptiva, coração voluntário, indomado. Tenho qualquer mansidão em relação ao futuro, porque sou inteira presente, e meu presente pode ser sonho, sonhos de completude. Na verdade: aflição de ser terra em meio às águas. Mas, por saber-me destoante, é que sei que me devo ser fiel. Obstinação ou confiança? A inutilidade da mobília, a pouca importância das adornações, a prolixidade. O supérfluo, os longuíssimos-prazos, a vida dividida de fastio que eu não quero ter. A rigidez suprema, a distração imperativa, a fuga perpétua, a aparência velada. Que eu só me gaste e nunca me esgote, entregue em cada ato e sentimento. Porque me vejo assim, ser vivente simples, apartado e destituído, dissoluto em cada coisa vista, sem nada ter, e tudo conter, pela expansividade do sentir que me rege. Coisas são coisas e o que eu quero é vida.

Incêndio

Ele é, como eu, um mundo de boca fechada e olhos bem abertos. Mas fala: eu tenho um caso de amor com a voz. Que se desdobra em triângulo amoroso com o conteúdo da fala. Falando da raridade de pessoas que criam assim mundos inteiros de sensações, ensejando fonte de acesso, um convite. Raras pessoas que vêem um raro mundo. Eu me calava sempre, para ver também, sentindo fluir em mim a via pura dos seus olhos. E, às vezes, poderia parecer que ele falava a si, em fluxo fechado. Eu só estava tão dentro dele porque tão compreensiva de tudo. Quando resolvesse me olhar, estaria em apuros: seria a visão de alguém entrando. Mas é que assim eu saio de mim mesma, pelos reflexos do que me une a ele. Também porque ele já está em mim. Às vezes, parece que preciso de tempo para vivê-lo, como se nunca me bastasse: de contentamento. Apesar de calada, eu pensava com clareza de idéia pronta: sim, tão raro. Tão raro alguém que me prenda assim, até eu me tornar o peso reversivo, aos ares e enleada de água. Simples e raro, sem floreios, pois dele a flor me faz a pele para tão além das palavras. Ele fala, e eu me incendeio.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Frugal

Não: o que eu quis dizer era -- que,

Se eu te vir, se eu te vir: e é sempre um se, nunca um quando. Tudo resplandece. Que a tua companhia é um lugar, meu onde. Se me acontecer. De habitá-lo. Palavra nenhuma vale isso. Palavra nenhuma minha vale isso. O quanto a presença se torna lugar. E, a ausência, o meu por quê. Por que a terra gira e parece plana e minha via-vazia parece plena e as pessoas passam sobre-esquecidas e eu carrego vislumbres-deslumbres das minhas faltas descarregadas sobre todas as palavras-sem-valor que não me valem dizer e esta certeza aérea de chumbo que me desperta e esta ânsia que para que escape ao pensamento tem de ser toda toda inteira submergida em contato-essência? Minha única esperança de não pensar: é viver. Que tenho todo o corpo e mente aumentados em suas células, e a aparência de fraqueza é meu espírito abrindo, altercando sutilmente, ondulando, chocando-se com o aspecto do corpo: a transformação, o desconforto da descontinuidade. Mas é pelo corpo que se faz a via, o caminho para a distância, o caminho para a aproximação. E o momento de pensar a fugacidade se torna eterno. Deus, como fui feliz. Não me façais lembrar que hei de não ser. Não quero saber. Afastai de mim a dúvida. Que eu seja inteira e eterna a beleza da eletricidade ao vento. Não importa o que se segue. Porque eu sei: oh deus, como fui feliz. Como tive o que bem quis. Como abri as mãos e senti jorrar ao mundo o que me continha. Estou me gastando e nada perco: abro a mão e é com mansidade de bicho que sinto meus limites se expandindo. Estou inesgotável e ilimitada de paixão. Fluidez furada, peneira em oceano, assalto pela correnteza. Palavra nenhuma vale isso. Se eu me esquecer, oh deus: fazei-me lembrar. Um dia, dei o vazio-pleno como bem quis, para sentir nas mãos o valor além da minha pobre palavra. Um dia, como quis que tu sentisses também. Palavra nenhuma valeria isso. Eis-me aqui, entre o antes e o depois: timidamente, desnodada, desnudada. Sem cadência, vou dizendo logo que és tudo. Porque a vida é quase nada. (Sim.)

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Indulgência

"O prazer é abrir as mãos e deixar escorrer sem avareza o vazio-pleno que se estava encarniçadamente prendendo. E de súbito o sobressalto: ah, abri as mãos e o coração, e não estou perdendo nada! E o susto: acorde, pois há o perigo do coração estar livre! Até que se percebe que nesse espraiar-se está o prazer muito perigoso de ser. Mas vem uma segurança estranha: sempre ter-se-á o que gastar. Não ter pois avareza com este vazio-pleno: gastá-lo." Clarice Lispector

Querido,
Estou em comunhão tão profunda com aquilo que não é em mim, que não me posso durar em minha companhia; aborreço-me, contorço-me na cama, posição de impacto, indefensa em bola, mergulhada na penumbra abafada e desabitada do quarto. Alguma criatura vem crescendo dentro de mim: sinto-a estirar as garras em meu estô-âmago, tecendo raízes, agravando um peso interior, estreitando as aflições. Estou comotiva, comissiva, rente aos fatos, lente de aumento, câmera lenta, lacrimejando em conversas diurnas, olhares fulminantes, dobrando todos meus ângulos para encaixar-me no menor perímetro de mim, torta e fechada, incontentável: porque no que me deixem só e eu me cubra de escuro, escura me faço, preenchendo-me, e transbordando-me, e as frestas são os olhos. Duas vitrines, dois espelhos através dos quais sinto despejar todo o visto, sentido, vivido, olhos que são testemunhas da falha razão que me custa manter, tênue equilíbrio perpétuo.
O real, o possível, o excessivamente sentido que beira o imaginado, o sonho, o duro e o delicado, o preterido, o memoriado, a minha humanidade noturna e lacrimejante. Estou existindo em lágrima. Que eu nunca devolva a ninguém. Pois dela o sal me vem à língua e eu levo abaixo pela garganta ao monstro que me habita. Será que se há de satisfazer com este algo de amargura exaustivamente exasperada? Estou na mais aguda solidão que eu poderia oferecer. E meu intento de dá-la a ti é o presente maior que faço por amor. Pois a solidão é a coisa mais última que se pode dar de si. Sozinha, escura, lacrimejante, estou como deve ser para que te diga. Enfim, dar-me. A mim? Ao escuro. Vale, porque não hás de saber. Talvez estejas ouvindo sons de onda: reais ou possíveis. Por detrás das cortinas de meus olhos, posso ver-te em enternecimento.
As distâncias me amansam mais e mais, em reflexo ao avesso. Sozinha, liberta dos jugos, livre de todo comprometimento, sei que não pertenço. A verdade me é uma sombra, espectro noturno de um nó que desce da garganta ao ventre: se o impasse é este. Depois da despedida, eu sigo sendo tua. Entre quatro paredes, é que não sei ser minha. Falta-me um outro alento. Que eu não me sufoque com o peso das escolhas. O real é existirmos em separado. Em ausência, eu mais tua do que fora quando estavas. Em presença, dissociada perpetuamente de mim. O duro e delicado de não poder ser conhecida. Não há jeito. Tão logo serás o limite da distância entre dois corpos. Em minha noite, penso-te como se foras dia. Quase irreal a mim. Em minha noite, a confissão: dói-me o vínculo esmorecido; doem-me as distâncias; sou toda o ato e a ferrugem. Anseio a presença: nela, esqueço-me de que sempre terás partido, em qualquer canto, pranto, hipótese e lembrança; mais grave ainda: adio o medo sempre iminente de que eu mesma precise partir, e seguir partindo, eternamente. Eternos fins que impliquem eternos recomeços.

Sou também navegante

Com a mesma incautela em que chegara, há de ir-se. E o som do Homem que vai embora: é onda batendo na pedra. Com a naturalidade inintencional do movimento de águas do mar. Vai lua, cresce, incha, explode, míngua, esvai, resplandece, e flui nos altos escuros do céu, governando humores os mais misteriosos, sopros de interferência, ventos, uivos, cantos de sereia, e histórias de navegações que não me chegam à ilha. Ilha de mata pouco habitada; não virgem, mas toda fechada, densa nos limites, raízes bravas desmoronando delicadamente pelas areias, ar terroso, e flores no coração, frutos nas copas, e lá de cima a vista imprecavida de um céu quase moroso  ah, de tão límpido. Contemplando animosamente o caudaloso das ondas do mar  se à espera, se aos cálculos, se a enamorar-se sem saída, cobiçando o sal e as lonjuras, o fundo do oceano, a vida escura de caverna, os raios de sol que entrassem, ou mais: luz da própria lua, que se fizesse em nuances pelos tons gradativos de azul. E a sensatez parece pouco desejável. Talvez porque nunca houvesse feito realmente uma Mulher intensamente feliz. Minha ordem autônoma nunca se baseara na sensatez, mas numa espécie de loucura de isolamento dissociativo. Separar-se de tudo, ou dissolver-se em tudo, em desespero irracional, a fim de obliterar o próprio senso, na esperança de que, com ele, se expurgasse o jugo da emoção. De dócil que fosse, flor, mulher, terra no fundo do mar, feixe de luz da lua, havia que se manter de doses periódicas de emocionalidade. E ocasionais melodramas, água salgada transbordando pelos espelhos da alma, secando na pele do rosto, rosto macio de dois olhos duros que viam tudo e já sabiam não poder da vista fazer nada. O que criar das chamas que me entravam naquele momento pelas retinas? Bem sei que tenho a arte de ser cinzas. Lava, pó, nada. O que sobrou de um desejo  arrasta sempre os vestígios de naufrágio para a costa da minha ilha. Todas as manhãs, lá vagueio e vejo: vazios e promessas estiradas no sol. Todas as noites, embebida de luares, intento retirar-me  mas repousa na consciência a veia fantasma. São as perdas que me trouxe a correnteza. E as correntes oceânicas que não me calha combater. E os trajetos lunares, a dança dos planetas, e o reino profundo dos mares que me escapam a todo controle, voz, compreensão. Ilhada, cobiçando fundo, sei-me a imagem inteira de um náufrago, estirada em vislumbres e aterros da ruína, condenada que sinto, sem me poder situar; mas algo de resignada, em verdade esperançosa, de venturas passadas e vindouras, sonhos de horizonte que não se findem no olhar. O som de quem fica. Fica, não eternamente, que nem eu mesma sou eterna, e nada existe neste conto fora dos limites de mim. O mundo é esgotável, e o tempo é escárnio. Não espero, ao fim e ao cabo, nada, nem ninguém. Mas sigo mirando este horizonte como se implorasse: basta, só permaneça. Que as coisas duvidosas me exaurem já, as coisas caudalosas, as coisas efêmeras porque de um movimento constante incombatível, as coisas mesmas que me alimentam  porque é toda a regra do mundo: são as que me tiram toda a avidez. Viver me mata! O mundo deve ter sua maneira natural de fazer seus mortos e vencidos. E me ousariam falar em sensatez? Pois choro o mar inteiro que me revolve, em náuseas de coragem, persistência inata, força bruta que me imobiliza por dentro, recuos, receios, nós, velas que me alcem a destinos mais límpidos. O tempo presente ignora horizontes. A hora seguinte me trai com o peso de ontem, anteontem, luas e anos passados, a vida passada que eu vira escorrer por entre os dedos da mão aberta, aberta de marcas a fogo. E quem me vê, como vê tantas, como vê qualquer coisa, como passa indiferente, incontentável, como viaja feito tempo, como poderia me entender? Ninguém; pois todos passam, passam e ficam, e já não fica nada? Como apartar as frações da vida, as porções de água do mar? Coisa una que não se divide, mas semovente, jamais se mantém em única ordem: fluxo eterno e constante de um inacabado pleno de partes. E os papéis todos de quem me passa e enxerga se camuflam e imiscuem no meu próprio olhar sobre mim. Já o mundo assimila essas cores e eu me encontro solta no tudo-e-nada do mar. Como eu sei, aguda, de tudo que se vai! Como eu sei, pungentemente mais, de tudo que fica...

sábado, 5 de janeiro de 2013

Inquieta alegria

"De novo estou de amor alegre. O que és eu respiro depressa sorvendo teu halo de maravilha antes que se finde no evaporado do ar. Minha fresca vontade de viver-me e de viver-te é a tessitura mesma da vida? A natureza dos seres e das coisas - é Deus? Talvez então se eu pedir muito à natureza, eu paro de morrer? Posso violentar a morte e abrir-lhe uma fresta para a vida? Corto a dor do que te escrevo e dou-te a minha inquieta alegria." Clarice Lispector

Já não sinto o peso do tempo. Se o tempo passa e me tomam as levezas? E já não posso arrastar dores? E o peito abre todo pedindo em cheio o golpe que me derrube ao chão? Eu quero a queda, demorada e inteira sentirei a glória de cair. Porque o arrebatamento é viver. E as sensações me são combustível de vida. E tudo que me move é fora de controle. Quero alçar vôo alto. Planícies, profundezas, penhascos, picos, depressões, abismos, planaltos, curvas e terra, toda a terra que alcança o olhar. Porque vejo um frescor: a aridez de um reflexo. Se tu falares e nunca me soares em estranheza, e me afastares apenas quando ressoar o ouvido de outras, além de mim... Sei que, ao falares, é mais para consolo meu que teu... Preciso falar do que me falta, para não me concentrar no que me dás. Porque corro o risco de amar... Pedaços de exultação que hás de ignorar; pedaços de aflição que não poderás contornar; pedaços de guerra que nunca quis desencadear; sou a paz inteira, e se escrevo é porque sei que estou ao lado teu, não contra ti. Quando hás de ver?

Agora já escrevo com medo. O que me sobra de viver não cabe em palavra alguma. O que eu disser será pausado e irremediável como bater teclas numa antiga máquina. Agora escrevo trêmula da tinta dos efeitos, um receio todo novo de corpo e alma, que me encara em brancura, acusando-me, no ímpeto de escurecer. Mas deito em sonhos de clareza. Ondas por todos os lados. O que haveria eu de negar-te? Como pediria eu de ti qualquer coisa que não me desses já? Peço de ti o grito, para que eu nunca te doa assim. Docilidades, amor. Como não ser feita delas? O medo já não é só meu. Para ser feliz, é preciso permitir-se. Deixa-me entrar, que eu encontro o caminho pelo breu. E, no que ele me envolver, farei-me luz. Escrevo, delirante, febril, um algo tão lúcido, morno, em voz compassada, que em nada te farias mover-te. Ao findares de ler-me, esquece-te de mim. Porque eu continuarei a existir-te.

Ainda que o mais importante fique sempre por dizer. As palavras não me chegam, são aquém do que sou, e teimo com elas por não saber outra forma de respirar. Como tu, que, por transbordar o viver, não chega à flor das minhas palavras. Embora me dês um aroma de vida e ser, que, de tão grave, amplo, indomável, sai-me pelos dedos. Aqui é a meta-vida. Aqui, dialogo com a percuciência dos teus silêncios. Percebe que não é um apelo à fala. É qualquer forma (falha?) de sintonização. Estiro-me, canto-te esta ode, fervendo sangue de poeta: é que tenho febre de extremos. Ardo nas ausências. E nas presenças? Bem já vês o que sou. Também porque nunca intentara escondê-lo. Flor aberta.