terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Do arqueiro a céu e mar

É que eu me despedi com os olhos que não derramam, porque hão de te seguir vendo, e em quaisquer paisagens habitáveis penderá o teu olhar como quadro a perscrutar-me, suave rastro dos verdes aterrados que destilas pelos meus caminhos, por ti percorridos, uns em relance, coisa de instante efêmero-temeroso, outros em mergulho fundo, cadê-ar, pungente expressão do todo que deita sobre a minha superfície agora. Nada me consterna, e sinto com a facilidade do animal que respira, vento que ruge, céu que se espalha eterno pelos limites da consciência-imaginação. E minha vista é toda naturalizada, plena, pura, estirada num algo de pele, latência em cada músculo, sangue vibrando a vida em mim. Nada me aflige, como se os pensamentos todos repousassem entre os roxos e lilases e magentas mais improváveis que eu duvido enxergar, como em dança que as cores fazem aos meus olhos, como para atrever-se, desafiarem-me a manter em plano nítido o teu verde-aterrado, dissonante, destoante, e encaixado, bem como se teu tempo se criasse e renovasse pelo céu, qualquer a cor, ou estação, temperatura. Despedida seca, como o céu que ao longe se parece derramar, mas é pura aridez misteriosamente melíflua. Tudo em mim arde seco como o céu, mas em rara umidade, como recém-saída de mar, e áspera de sal, oceano teu, de sons de onda que me embalam nua, comprimem-me, esticam-me, espalham-me toda em areia da mais mansa, cobrindo-me toda de infindos volumes, água viva, e que, por isso mesmo, interpelam-me a respirar, soprando água pelas reentrâncias no pescoço, criatura marinha cercada e abandonada. Ficam todas as impressões, pura aridez de deserto em que se encontra, de repente, tenro caule de flor crescendo, fundo poço de águas cristalinas. Porque tão, tão turvas. Toda a minha visão, do negro, embaça-se ao mirar o verde-terra. Como vida se fazendo a partir do nada, é tua brancura contra a minha voz; nos teus silêncios, cresço forte como raiz, e se me retorço toda é para apertar bem a seiva que treme na veia ao sentir de ti qualquer inferência à distância. Porque te tenho um pouco dentro de mim, e saber-te aéreo-etéreo é às vezes todo o medo. Porque, na verdade, estás queimando em profundezas, sobejando em todos os ares, anjo, e eu ilhada sem terra, vacilante nas ondas, e, se mergulho, é para achar no fundo qualquer pedaço de firme. Ainda que me mate. O que me traz à tona é tua voz, canto de presença que se estende e permanece, e que, ao pé do ouvido, faz-me a mais convicta das amantes, enleio impossível, impassivelmente estirada na tua pedra, rija e maleável, entregue, como que enfeitiçada, pelos sons que de ti me escorrem dentro feito lava morna (queima sem dor, como se eu pedisse a explosão, e peço mesmo), imobilizando-me, hesitante, a liberar-me depois só para que eu te traga mais perto, se o canto de repente me soar em lonjura, e eu precisar que ele me habite as estranhas. E nem seria suficiente. Ah, são só palavras, e quando eu terminar de por elas viver-te já não saberei o que ter feito do céu, porque não era o teu sorriso contra o meu rosto. Enquanto mergulho, começo a sentir a iminência da falta de ar. Nem é pânico. De repente este verde-terra é roxo-lilás, os rosados todos me levam de volta à tua face, e tudo gira comigo bem no meio, porque, se me aparto de ti, já não é dor. Saudade não é sempre tristeza, e a felicidade é real, ainda que não compartilhada. Se és flecha, eu sou a sombra da flecha. E, na minha busca do puro e colhido, quero ser teu alvo. Eu, que hoje não me sei enfileirar, e muito menos enfileirar-te. Quem é que um dia soubera? Pensas que eu saberia, só porque sou terra? Em tempo: terra fincada de flecha (em chamas, aos ares, e em plena água).

Água viva

Sinto agora mesmo o coração batendo desordenadamente dentro do peito. É a reivindicação porque nas últimas frases andei pensando somente à tona de mim. Então o fundo da existência se manifesta para banhar e apagar os traços do pensamento. O mar apaga os traços das ondas na areia. Oh Deus, como estou sendo feliz. O que estraga a felicidade é o medo.
Fico com medo. Mas o coração bate. O amor inexplicável faz o coração bater mais depressa. A garantia única é que eu nasci. Tu és uma forma de ser eu, e eu uma forma de te ser: eis os limites de minha possibilidade.
Estou numa delícia de se morrer dela. Doce quebranto ao te falar. Mas há a espera. A espera é sentir-me voraz em relação ao futuro. Um dia disseste que me amavas. Finjo acreditar e vivo, de ontem para hoje, em amor alegre. Mas lembrar-se com saudade é como se despedir de novo.
Um mundo fantástico me rodeia e me é. Ouço o canto doído de um passarinho e esmago borboletas entre os dedos. Sou uma fruta roída por um verme. E espero a apocalipse orgásmica. Uma chusma dissonante de insetos me rodeia, luz de lamparina acesa que sou. Exorbito-me então para ser. Sou em transe. Penetro no ar circundante. Que febre: não consigo parar de viver. Nesta densa selva de palavras que envolvem espessamente o que sinto e penso e vivo e transforma tudo o que sou em alguma coisa minha que no entanto fica inteiramente fora de mim. Fico me assistindo pensar. O que me pergunto é: quem em mim é que está fora até de pensar? Escrevo-te tudo isto pois é um desafio que sou obrigada com humildade a aceitar. Sou assombrada pelos meus fantasmas, pelo que é mítico e fantástico — a vida é sobrenatural. E eu caminho em corda bamba até o limite de meu sonho. As vísceras torturadas pela voluptuosidade me guiam, fúria dos impulsos. Antes de me organizar, tenho que me desorganizar internamente. Para experimentar o primeiro e passageiro estado primário de liberdade. Da liberdade de errar, cair e levantar-me.
Mas se eu esperar compreender para aceitar as coisas — nunca o ato de entrega se fará. Tenho que dar o mergulho de uma só vez, mergulho que abrange a compreensão e sobretudo a incompreensão. E quem sou eu para ousar pensar? Devo é entregar-me. Como se faz? Sei porém que só andando é que se sabe andar e — milagre — se anda.

Clarice Lispector

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Da paixão singela

Nem é justo, Dionísio, pedires ao poeta
Que seja sempre terra o que é celeste
E que terrestre não seja o que é só terra.
Hilda Hilst

Singelo (latim tardio singellus, diminutivo de singulus, -a, -um, único, só, singular) adj.
1. Inocente; puro. 2. Simples. 3. Não reforçado. 4. Sincero; lhano; desataviado. 5. Não dobrado. 6. Delgado. 7. Natural. 8. Único; só.

E eu flutuo, sim, neste mar que é teu. Pois prende em mim esta ressaca, fadiga de horas noturnas passadas contra a corrente. Onda vem, e me arrasta longe, sem ver mais terra, infinitude de céu que se deita sobre água e mais água de puro verde de dentro pra fora, de dentro pra fora um tom aterrado, que é para eu me lembrar de ser terrestre. Vôos altos para que eu caia bem no fundo deste meu azul contra o teu verde. Que meu azul, de alma, é preto nos teus olhos. Esverdeados. Cor de quem vem para encher de água e sal uma tela outrora em branco, seca, carregada de vácuo. De repente, as cores importam. O traço, a forma, a impressão, o gesto do pincel são todo meu objeto de desejo. O sal escorre em minha alma. Se eu decidir repousar em pedra, de repente já não posso. A brisa traz um aroma teu de marinheiro, como navegas no meu corpo. Uma coisa leva à outra, e de repente sou ilha. Toda ressaca dolorida e desvairada. Que me baixa a pressão e de repente eu sou pr'aonde a dança das ondas levar. E como me levas contigo sem nem saber, faço canto da partida, luares que me embebem toda, de um espaço que antes ocupaste, e que agora é pura espuma de sal que sobe ao ar. Não respiro. Toda a brancura pesa no meu peito como a preencher-me de som: som branco de ventos uivando para me ninar, depois do ataque cardíaco. De repente, vira onda e eu descompasso, virando errado, ao avesso, topando coral, deslize em buraco, concha corta os ouvidos, limo sobe os pés, mãos tateiam sem nada, e é água, água, turva, turbilhão, escuro, imensidade sem fim. Tudo em meu olhar esverdeia como em incêndio semovente. Debato-me; arrebato-me. Cedo. E é caindo ao fundo que sinto bem a tua pele arranhar-me como água das mais mornas, tenras e mansas, bem latejando na superfície de todas as coisas que não acabaram. Não acabou, e continua. O presente me afoga inteira, e é assim que te sei inteiro, puxando-me junto a ti, debaixo d'água. De nada adiantaria respirar. Sou toda o fôlego que me roubaste, todo o espaço que percorres, os novos aromas que fazes brotar assim em flor, no meio do meu oceano. E é assim que, sem ver terra, feita de mar e água, queimando suave, estou por ti liberta.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Da ovelha ao rochedo

Que eu não te devolva a dor da minha primeira lágrima.
Daquela que precisava de pastoreio, ao inamovível: fortaleza.
Comovida, empresto à aspereza impenetrável a minha pele.
E, sobre a rocha de penhasco, que eu encontre nova luz (a dele).
Delicadezas; em meu seio escorre aquele tempo tremente.
Durezas; dos dedos aos lábios, levo a sempre-ordem fremente.
Noite, mudez, canto, alvorada: o espírito da estação.
Tolhida, atada.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Tenro caule de flor

É tempo para dizer
Se prefiro o teu amor
Àqueles, aos doces ares
Da minha campina em flor.
Tu que projetas e inventas
Estruturas ascendentes
E sonhas com superfícies
Além deste continente,
Tu que conheces melhor
As coisas do querer bem
(Porque até agora te quis
E antes não quis ninguém)
Tu, bem o sei, me pressentes.
E mais ainda, me vês
Tão perto do querer ser
Deste amor sempre contente.
Ah, descantares, lamentos,
As leves coisas do tempo
Têm seu tempo e seus altares.
É tempo para escolher
O anoitecer nas planuras
E o contemplar luaceiros
E é tempo para calar
A estória dos meus roteiros.
Paisagem, tu me alimentas
De verde, de sol, de amor.
E numa tarde tranqüila,
Nos longes, seja onde for
Lembra-te um pouco de mim:
Que eu morra olhando as alturas.
E que a chuva no meu rosto
Faça crescer tenro caule
De flor. (Ainda que obscura.)

Hilda Hilst

sábado, 8 de dezembro de 2012

A verdade do êxtase

Imagino que agir seja sempre meu ponto crítico, frágil, alvo de piedade. Para não falar misericórdia. Falarei ódio, mesmo sabendo que é amor, falarei raiva, aborrecimento, pranto, arrebatamento, vacilando nas regras do jogo. Aceitarei os desdéns, displicências, rasadura, efemeridade assassina. Um dia, deixarei para trás, no meio da estrada, a palavra aceitar. Meu fazer perceber é música de despedida. E, de tanto fazer-me de sonhos lúcidos da paz que não tenho, hei de repousar sempre numa corda bamba. De dentro, aquele ímpeto de sair andando, sem destino, sem interrupções, plena de desprendimentos, para que assim me inundasse qualquer relance de ter um trajeto, um que não fosse esperar morrer, e que talvez assim eu me eximisse do fardo de buscar caminhos. Como se eu estivesse buscando ver um algo que não se quer mostrar. Mas é também porque certas coisas devem permanecer impalpáveis, porque um quarto totalmente iluminado é inabitável. O que é a solidão? Talvez aquela antiga chama de me fazer amalgamada à multidão, porque a diferença me isolasse, seja agora uma centelha de ter certeza de mim. Ter certeza, como mecanismo de defesa. E não ser mais a flor reacional. Ação, não reação. E já não consigo ver-me senão separada de tudo. Ah, eu não sou qualquer uma, e por isso eu sei que é amor destrutivo o que sinto quando sei ser feita de menos. A imagem em que me aprisionam. Não quero o medo, mas ele não perde peso por eu o chamá-lo respeito. Que peso dar, desafiando as leis da natureza? Desafiando as regras do jogo? Densa, pura fragilidade clara e cortante como uma inútil folha de papel branco, devastadora, que me encara com as palavras que perdem todo sentido de ser. Palavras, paisagens, toques e olhares. Quero morrer aqui e agora, para que eu não saiba do que estou sentindo, sem entender. Para que, no momento em que eu souber, na impossibilidade de exprimi-lo, na impossibilidade de enquadrá-lo no todo do mundo, eu me desfaça no intangível maior, alerta a nada, nada além de paz.

Escolhi você com o coração. (Ah, coração de cristal.) E por isso hei de ser sempre a que espera. Por isso, também, devo ser agora a que vai embora. Para ter, quem sabe um dia, aquela certeza. Na falta dela, almejo um horizonte. Também eu quero ser livre de amar no transitivo direto. E transitar, inacessível, pelos escombros e encantos do mundo. Una, inatingível, indesviável, irrefletida, água turva, negra, puríssima de tão intacta, imune a todos esses absurdos. Serei incorporada à minha vista, não mais conseqüência e resto do que vi. Não mais seria o resto do que fizessem de mim. E a minha arte não seria o que sobrou de viver. Seria o fazer, o viver, o ver, sem complementos, ação verbal sem tempo limite. Existência transbordante que não carregue nada consigo. Sem nada, e sem ninguém. Flor livre.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Iminência continuada

Ah, meu abismo descontínuo. Persistências. Metáforas que venham só para colher-me, flor desbotada pela raiz. Seiva bruta. A dele, elaborada, escorre por entre meus dedos enquanto eu teço meus pensamentos de mel, densos como galhos secos e folhas de árvores ao vento. Contíguos espaços de peso entre as levezas que me carregam e inflam, oscilatórias, ao colo do céu. Deito-me em ânsias, hinos antigos, morte para todas as vozes da queda, país de silêncios e escuros, em que meu sussurrar é todo o brilho, dissonante, em que os limites da minha linguagem são os limites do meu mundo. Tudo o que ouço, tudo o que vejo: faz-me agudo o não-dito, impronunciável, o não-visto, incomponível. Arde na pele o que não me toca, distantemente atado a qualquer rastro das minhas partes solitárias. E os ditos e vistos se fazem passo, corrente, de ferro e ar. Faço-me a corda bamba entre o medo mortal e o êxtase excessivo. E, com aquela tímida dignidade, enfrento o que está além das minhas possibilidades. Além do ponto crítico, extremo dos in-tremos, sei-me inteira transparente. Mas fortaleza. Respeito, e nunca medo. Meu acesso menor, porto seguro, é meu salto através do espelho. Porque é vôo. Que ele não se engane pelas partes limítrofes, ah, as minhas, tão mastigadas. Ah, domínio conexo. Não hei de contar as cicatrizes. Erro o salto, desvio e estatelo na brancura violenta. Ergo-me, vendo vermelho, e o novo salto não tem menos glória. Por um menos que faz mais. Por um êxtase que me sucumba a vista, conduzindo-me a crer, fé, que ouço de fora, no fundo mesmo não é mais que coragem. Lembro: irei morrer. Agora: a vida; brancura, melodia, suavidade.

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Ato de exultação

Quando vejo, aprendi contigo. Qualquer pedaço meu adormecido, soterrado, de repente trazido à vida. De repente, vejo que são fragmentos de penas e glórias minhas já sentidas, estilhaçadas, perdidas, reunidas, aqui postas ao lado das tuas. Ouço qualquer som que me parece vir de dentro, mas é só teu canto de homem simples. E, por seres a mim novo, és quase nostálgico e antigo, de uma elegância autóctone. Sinto qualquer vibração alvoroçante, que me invade por trás, ventre, quadril, pescoço, e deita por toda a minha pele uma camada de temperatura, densidade, hormônio: arrepios. Fecho os olhos, para ver-te na escuridão que persigo a caminho de ti. Aqui, estou protegida. Imune a tudo que não vejo; e tu, sabendo, cerras infindo o que eu queria ver; tu, também quase não vendo, mas vendo mais; tu, à meia-luz, és choque térmico a cada derramar de olhos. Que os meus incontidos brados se façam ouvir em teus silêncios. E a vagareza dos teus movimentos conduzir-me-á àquelas montanhas nunca nem imaginadas. Porque também a tua urgência enterrada no meu seio far-se-á meu novo ânimo, minha recomposição, história sazonal de outras formas de ver. Que a paixão me afaste do pensar as coisas, e que eu veja no horizonte todo o sentido de fazer-me tua; que eu aceite o não ser livre, avesso reflexivo de ti, mordaz na tua liberdade ininterferível, e possa logo compor meus próprios sons. De repente, eu preciso me aceitar, aceitar minha brandura, transigir, entregar-me, estirar-me toda nesta impressão viva, aquiescer-me toda nesta tênue e aguda inclinação, que me toca sempre no sótão das palavras mornas e na varanda das terminações nervosas, ardentemente, consciência plena de habitar um plano outro. Será, será que posso dizer, dizer de haver-me transportado, por ti, a qualquer vislumbre de mundo novo, irresistível fluidez. Em que me encontro pura e transformada, reflexo do querer ser, peito aberto, debulhar de ondas no meu coração que foi aos ares em chamas. Evento que se me apresente fora de categoria, comprometendo em sopro a estrutura. Que sentido dar a teus ventos, proximidade e distância? Que eu nunca fale medo, mas respeito. Ecos, oceanos inteiros em concha, teus ouvidos que deixem mergulhar minhas dores, meus ouvidos que peçam por receber teus prazeres, todo um corpo que se molde para aconchegar o teu. Fim.

domingo, 2 de dezembro de 2012

Iminência

Eu deveria ser sozinho no mundo.
Eu, Steiner, e nenhuma outra coisa
viva. Sem sol ou cultura, eu, nu numa
pedra alta, sem neve, ruas, bancos ou
dinheiro; sem tempo, sem respiração.
Então, eu não teria mais medo.

Para antes do homem, e além do homem, são as paisagens nunca vistas, todos os mundos possíveis, a imagem inconcebível, porém, sentida. Em situação extrema, corda sobre o abismo, atravesso hipersensível. Todo o meu escape me grita a precisão de esforço demandado. Meu ato extra-humano. Meu êxtase extra-humano, porque é extra-corpóreo, é extra-mental; meu sentimento paira além da minha existência, por sobre a minha frugal racionalidade, além dos portões de minhas abstrações de idéias, sempre, por um triz, fora do alcance do exprimível. E meu olhar é espelho. Sair de si, deslizando incontentavelmente para o maior. Caio para fora, porque minha cultura não mais me detém. O vasto me chama, e já não posso ler. O que são palavras? Já não posso ver coisa alguma que não o mundo inteiro, possível nos caminhos da iminência do morrer um dia. E é, assim, a simplicidade sempre almejada, latente na epiderme dos meus desejos, soterrada nos atos contínuos de meus dias de vida, desvivida. Na natureza, vejo que é tudo interior e exterior. O fazer perceber é grave, porque queimam em minha pele todos os afetos, ardentes porque um dia caí neste molde de pessoa que sou. Petrificada em gelo nesta obscuridade. A miragem é o outro lado do abismo, apenas vislumbre. Um outro estado de matéria me espreita. O sublime, infinito, por um triz. Se é perigo, receio do desconhecido: fico à beira. Tortuosa, falível, silenciada.