segunda-feira, 8 de agosto de 2016

Cerceio, exultação

Nunca antes tive tanto a dizer, e tão pouco tempo para dizê-lo. O verbo me exige. Nunca fui tão outra, e tão eu mesma. Não raciocino: sou bicho. Sou a inocência que inundou meus dias. Tão distante daquilo que, embora perdido, sobrevive no rosto deles, no sumo da vida, a materialização. Tudo tão denso, tão fora da cabeça: mas mil pensamentos estourando sem tradução. Nunca a vida foi tão real. Existo fora de mim. São partes do meu corpo, e todo o meu combustível. Para não esquecer de tudo que eu precisava dizer, levado pelo ralo com a água morna de quando eles dormem. Tentei com toda a força do meu ser. Daquele grande amor (resistente) que me faz dever-te todo um respeito nada correspondido. Todo um medo desacreditado. A ilusão com que dividi a cama por três anos. Não só para carregar sozinha, mas o meu amar cerceado -- é isto, assim defino o que foi estar contigo: não poder amar, exultantemente, como me vinha. Te amar era precisar diminuir a importância de tudo. Olho para eles e sinto unicamente: importância. Tudo importa tanto. E por querer transbordar me veio justamente o cerceio de ter de me dividir. Não me conformo. Constantemente cercada do que me tolhe, dentro de um pedaço do meu sonho. Rendida neste impasse temporal, em que as coisas mais resistentes não se retêm. Tudo escapa sempre. Ver que ficaste para trás, para terceiro. Ficaste para nada. Não ficaste, e não quero. Ainda que lateje. Não reconheço, não me lembro mais do toque. No inconsciente vêm coisas que a razão não sabe admitir. Que estou assombrada para todo o sempre. Que nem a pureza deles oblitera, mas me faz sobejar, de alguma forma muito distante de ti. Aqui, sim, não há dúvida. Te amar era isso: ser a dúvida nos teus olhos. Promessa de fim. Agora eu sou a certeza nos olhos deles. No reconhecimento, na delicadeza dos pequenos pés que se movimentam ao meu seio, na docilidade, em todas as milhares de transformações que acontecem diante dos meus olhos a cada dia. Isso é vida, é luminoso. Que eu não seja a sombra, pois sei que não carrego sozinha a tua falta de amor. Está dentro de ti a incapacidade de amar. Algo que não cabe. Algo apenas possível porque fui ovelha, depois pedra, depois três. Mas eternamente três. Promessa de eterno.

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